29/10/2020

Together - Contos Travessos - Meu ursinho maldito

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Olá, kawaiizudinhos!

Esse conto faz parte de um universo mágico chamado Together, onde risadas de bruxas perfuram tímpanos durante a noite, mortos dançam em volta de suas tumbas, corvos debocham da agonia dos moribundos, lobos disputam o sangue e a carne dos azarados com vampiros, e gatos pretos... Ah! Esses são os intrépidos gatos de sempre! Bem-vindos a essa fatídica noite!
                                               

Hikari encarava a tela do celular, atônita. Não poderia acreditar no que havia se metido. Aliás, não poderia acreditar no que Arisu a havia metido. Sempre tivera medo desse tipo de coisa e não sabia onde estava com a cabeça quando aceitou participar daquela brincadeira imbecil. Mas seus amigos a desafiaram e não queria ser conhecida como a covarde do grupo. Estava apavorada, sim, mas nenhum deles precisava saber. Então simplesmente confirmou o desafio digitando uma mensagem curta qualquer e enviando. Agora, não poderia voltar atrás.

Hitori Kakurenbo. O bizarro jogo do pique-esconde com um espírito. A ideia tinha sido da amiga, que justificou dizendo que era um desafio muito "tranquilo". Lendo rapidamente as regras enviadas por seus companheiros, Hikari percebeu que o jogo consistia em um mini ritual para invocar algum espírito e "brincar" de esconde-esconde com ele. O grande problema era se ele a encontrasse: Segundo as regras da lenda urbana, a criatura poderia matá-la.

Hikari havia programado o celular para despertar às duas e quarenta da manhã. Talvez nem precisasse do despertador, porque não tinha dormido absolutamente nada. Levantou sem ânimo  algum, com as pernas trêmulas e a boca seca. Havia reunido no banheiro todos os materiais que precisaria para o experimento. A câmera do notebook foi colocada em um ponto estratégico no banheiro, para que seus quatro amigos vissem tudo em tempo real. Todos estavam ali, em chamada de vídeo, tanto para garantir que a garota não pularia fora ou tentasse trapacear, quanto pela curiosidade. Ela encarou o urso de pelúcia em suas mãos por um longo tempo, assustando-se quando a voz de sua amiga Arisu ressoou:

 — Hika-chan, acho melhor deixar isso pra lá. Não precisa fazer se não quiser. — Encorajou a amiga.

— Alguém está tentando pular fora. — Zombou um dos garotos. Os outros riram.

— Não enche, Kazuo! — Hikari protestou. — Eu disse que ia fazer essa merda, e vou até o fim!

Dizendo isso, abriu a barriga do ursinho com uma tesoura. Substituiu todo o enchimento por arroz cru. Através de um pequeno furo com agulha, deixou que algumas gotas de sangue pingassem sobre o novo recheio, e com a mesma agulha e linha vermelha posta, suturou o brinquedo, enrolando o que sobrara da linha em seu corpo. Deixou que a pia do banheiro se enchesse de água, lembrando-se que deveria lhe dar um nome para prosseguir o jogo. Olhou em volta tentando buscar alguma inspiração, sem sucesso, até que avistara pelo espelho o grande vaso de flor-de-lis que enfeitava o corredor. Se desse a ele o nome de uma flor, talvez ele lhe parecesse menos ameaçador (?). Olhando para seu novo e bizarro amigo, repetiu:

— Lis, Lis, Lis, vamos brincar de esconde-esconde! Eu vou começar!

Hikari mergulhou o brinquedo na pia cheia. Foi até o corredor, contando até dez em voz alta e regressou.

— Achei você! — Dizendo isso, ela retirou a pelúcia da água e apunhalou Lis usando a tesoura que já estava por ali, tomando o cuidado de deixá-la ao lado do urso novamente. — Agora é a sua vez!

Hikari correu para o esconderijo. Sentindo-se um tanto ridícula por escolher algo tão óbvio quanto o armário, ela fechou bem as portas e se encolheu. Havia deixado ali dentro um copo com água com sal, quesito importantíssimo para finalizar o jogo. Encheu a boca e ficou em silêncio.

Enquanto estava ali dentro, Hikari sentia o coração zumbir dentro do peito. Suas mãos suavam e a cabeça parecia pesar. Parte de seu lado racional a fazia se sentir ridícula por esperar que uma pelúcia possuída simplesmente saísse andando atrás dela para matá-la. Ao mesmo tempo, o medo que sentia era surreal, algo que a fazia estremecer em todas as extremidades do seu corpo e tornava o ar extremamente difícil de ser tragado. 

Pensou em quanto tempo deveria ficar ali. Já havia cumprido o desafio, certo? Poderia simplesmente correr até o banheiro, cuspir a água com sal no bichinho e acabar com aquela agonia. Aquilo era apenas uma lenda urbana. A brincadeira imbecil já estava feita. Ela deveria aceitar que não havia probabilidade nenhuma de um brinquedo sair caçando-a. Mas se era tão fácil acabar, se aquilo tudo não passava de uma bobagem, por que não conseguia se mover?

Hikari se assustou com o toque do celular. Sacou o objeto do bolso, tentando desligá-lo, mas o aparelho simplesmente parecia ter enlouquecido. No desespero de sanar todo aquele escândalo barulhento, apertava todas as teclas possíveis e nenhuma parecia responder. Quando tudo finalmente havia silenciado, Hikari soltou o ar, só então se dando conta de que engolira a água salgada em sua boca. Antes que pudesse pegar o copo novamente, a tela do celular exibiu várias mensagens de seus amigos:

"Hika?? Hika??? Você está aí?", dizia a mensagem de Kazuo.

"Hika, me perdoa! Céus, me perdoa! Por favor, fique escondida, vamos até aí!", Arisu disse.

"É culpa minha, me perdoa! A gente vai até aí! Não sai do esconderijo!"

A garota tremia tanto que mal conseguia segurar o objeto nas mãos. Abafou um grito de susto quando ouvira um baque da porta do quarto sendo escancarada com força. As batidas de seu coração reverberavam em seu ouvido quando, relutante, aproximou-se da fresta entre as portas do armário para espiar.

A pequena silhueta no escuro estava ali, no meio do quarto, como se tentasse deduzir alguma coisa. Seus movimentos eram lentos, quase que cautelosos. Os olhos de Hikari encheram-se de lágrimas quando percebeu aquele outro par de olhos que reluziam na escuridão. O lampejo vermelho focou em sua direção, obrigando a menina a se encolher, implorando internamente para que a criatura não fosse capaz de vê-la. Mas aos poucos, o brilho foi se aproximando, sorrateiro. Sentia-se hipnotizada, seduzida pelo medo que a fazia petrificar-se, tal como uma presa envolvida pela serpente. E quando percebeu, o armário foi violentamente aberto e tudo que se pôde ouvir naquela casa vazia foi um grito de horror.

Hikari acordou com o celular despertando. Eram exatamente duas e quarenta da manhã, a hora que havia combinado de iniciar o ritual do Hitori Kakurenbo com seus amigos. Ainda trêmula pelo pesadelo e com o ar rarefeito, tentava organizar seus pensamentos em alguma coisa coerente. Levantou, indo até o banheiro e vendo todas as coisas que preparara ali, prontas: o ursinho, a agulha, a linha, o arroz...O vaso de flor-de-lis estava presente no corredor, tal como seu sonho, e o notebook estava a postos, exibindo na tela a mensagem "Iniciar chamada de vídeo?". Hikari pensou. Levou a mão até o aparelho, e sem pestanejar, o fechou. Juntou todos os preparativos em um saco de lixo e voltou para a cama, tendo a plena certeza que preferia ser chamada de covarde do que ser perseguida por um ursinho morto-vivo.


Yey, esse conto foi escrito especialmente para o Projeto Together! Espero que tenham gostado!
A Hitori Kakurenbo realmente é uma lenda urbana e se você não a conhece, já fiz um post sobre ela aqui. Recomendo que leia o post caso você tenha ficado confuso com alguma coisa do jogo. 
É isso, amores. Vejo vocês no próximo post! 
Bye bye!





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